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  • Maedra

As Cartas da Avó Lola

Atualizado: 17 de ago. de 2023

No dia em que a minha companheira de quarto tomou banho, eu não tomei, mas enquanto a banhavam eu tentei levantar-me para fugir dali e ir tomar banho sozinha sem ninguém para me  empecilhar.  Estranhamente, as minhas pernas não me obedeciam. Tinha-me esquecido que tinha  as duas pernas partidas!

E desta vez não tomei banho. Mas gelei quando a ajudante de lar olhou para mim de soslaio e percebeu que estava acordada. Com alguma admiração disse-me:

-Já acordada D. Ana Laura? Com algum sarcasmo respondi:

- Impossível não estar, o seu bom dia ouviu-se pelo menos no quarto ao lado! Pensei que também eu usufruía do seu bom dia!

- Ah!  Desculpe acordei-a!  Já é o hábito, nem nos damos conta do nosso  tom de voz. Desculpe!  E lá foi ela acordar e dar banho a mais não sei quantos. E é assim diariamente!

E sábado lá tomei banho. Se lá estivesses tinhas-te desfeito em lágrimas, não sei se a rir se a chorar e a tua boca bateria no chão e daria para passar quatro carris de comboio.

7h 30 da manhã!

- Bom dia D. Ana Laura vamos a acordar. Completamente estremunhada, dei um salto, abri os olhos e o meu coração batia desalmadamente,  não sei se de contentamento ou se queria fugir do meu peito.

- Vamos tomar banhinho? - Parecia que de repente tinha mudado o meu aspecto e tinha voltado aos meus 5 anos.

- Vamos lá ! E num abrir e fechar de olhos fiquei destapada, num ápice fiquei sem camisa de dormir e quando olhei para a porta de entrada do quarto estava completamente aberta!  GELEI!

Ali estava eu toda nua, indefesa e a sentir a minha dignidade a fugir-me por entre os dedos. No corredor a empregada da limpeza passava, as  ajudantes de lar andavam apressadamente e alguns utentes demoravam-se a passar em frente à porta do meu quarto, enquanto eu era esfregada  sem conversa, sem saber que parte do corpo ia ser lavada e que movimentos eu deveria fazer para ajudar.

Pedi para fechar a porta  e recebi como resposta:

-Por favor D. Ana Laura, na sua idade já não se tem vergonha,  já não tem nada para ver, não se incomode isto é rápido!

Senti-me impotente e desrespeitada e de repente agarrei aquela mulher com toda a minha força e metralhei-a :

- Quem julga ser para opinar sobre mim ou o meu corpo?  Porque lava e seca o meu corpo da mesma forma que lava e seca a louça? Você tem a certeza que é uma  mulher ou é simplesmente uma máquina com duas mamas programada para dar banhos?

E de olhos bem postos naquela mulher que distanciava de mim apenas uns centímetro, percebi a frustração e a pequenez escondida por detrás da  arrogância, que servia para ocultar o  medo espelhado nas nódoas negras do braço e do pescoço.


Regina Lourenço

Assistente Social - Academia de Empreendedorismo em Serviço Social

Supervisão Profissional em Serviço Social na área do Envelhecimento e Empoderamento Profissional



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